Quando a guerra chega ao nosso prato

Artigo por Pedro Queiroz
Diretor-Geral da FIPA – Federação das Indústrias Portuguesas Agro-Alimentares

 

A invasão do território da Ucrânia por parte da Rússia veio interromper, de forma abrupta, os fluxos de abastecimento com origem na região e criar uma preocupante incerteza ao nível das cadeias agroalimentares globais.

Em 2021, as exportações da indústria alimentar e das bebidas da UE para a Ucrânia totalizaram 2,3 mil milhões e para a Rússia 5,2 mil milhões. Para além de serem mercados de grande consumo para os géneros alimentícios, ambos os países são dos mais importantes fornecedores globais de matérias-primas agrícolas, em particular cevada, milho, trigo, sementes de girassol e óleo de girassol – muito utilizados na produção dos nossos alimentos – fertilizantes e, no caso da Ucrânia, materiais de embalagem, tais como garrafas de vidro, alumínio para tampas, cartão e papel.

Quando falamos desta agressão militar, os nossos primeiros pensamentos estão com as vítimas cuja vida foi roubada ou destruída. Devemos, no entanto, estar cientes de que neste tabuleiro joga-se agora o acesso a bens alimentares por parte de milhões de consumidores. E, mais grave ainda, o abastecimento alimentar passou a ser uma arma de longo alcance e utilizado como chantagem por parte da Rússia.

Sim, a guerra chegou aos nossos pratos!

Enquanto setor essencial para a economia europeia e para o bem-estar das populações, a indústria alimentar e das bebidas não pode deixar de apontar os principais desafios que as empresas enfrentam no ajustamento aos impactos de uma crise que, embora agravada com o conflito na Europa, começou a desenhar-se com a pandemia.

O que é que pode afinal colocar em causa o abastecimento alimentar?

Por um lado, temos as dificuldades logísticas, já anteriormente sentidas, agravadas pelo bloqueio dos portos ucranianos, pela “fuga” de muitos operadores desta região, pelas dificuldades em contratar seguros e pelas restrições impostas pela UE, quer ao transporte rodoviário a partir da Rússia e da Bielorússia quer ao transporte marítimo sob bandeira russa. Por outro lado, as sanções impostas ao Kremlin e a destruição ou inviabilização de cerca de 50% da produção agrícola da Ucrânia, levam a uma concentração da procura em mercados alternativos com a consequente pressão sobre a disponibilidade das matérias-primas e com uma tendência para o aumento generalizado dos preços dos produtos agrícolas.

A nível nacional, a dependência da Ucrânia reside essencialmente no milho (34,7%), óleo de girassol (31,3%) e colza (30,6%) (dados INE 2021). No entanto, Portugal não foge aos constrangimentos logísticos já apontados nem à erosão do poder de compra por via de uma inflação com a qual a maioria das empresas e dos consumidores não estavam familiarizados.

Mas, apesar do contexto adverso e imprevisível que vivemos, a indústria alimentar e das bebidas nacional conseguiu destacar-se ao nível das exportações, atingindo no primeiro trimestre de 2022 um crescimento de 21,55%, quando comparado com o período homólogo de 2021, aumentando o seu peso para 8,8% das exportações totais da indústria nacional (dados INE 2022).

Tal evolução deve-se à determinação das nossas empresas e à, cada vez mais reconhecida, qualidade dos nossos produtos.

Hoje estamos todos mais exigentes enquanto consumidores, queremos inocuidade, qualidade nutricional e produção sustentável. Esta é uma tendência que aparenta ser irreversível, mas não nos devemos esquecer que afinal o requisito mais básico, o abastecimento alimentar, está longe de ser uma garantia.